´Persiste minha intenção de ser prefeito face ao governo que está aí´, diz Nazal

José Nazal
Maurício Maron

A maior parte dos últimos 30 anos, José Nazal passou auxiliando gestões municipais de Ilhéus. Conhecedor como poucos da história e da geografia do município e dono de uma memória invejável, Nazal sempre foi lembrado nas composições da administração municipal. Em 2016, abriu mão de ser mais uma vez um coadjuvante do processo político e lançou seu nome como pré-candidato a prefeito. As circunstancias do xadrez eleitoral o levaram a compor como vice do prefeito Mário Alexandre. Mas só aceitou a missão, assegura, depois de dar um aviso importante ao companheiro de chapa: “se sair da linha, dos interesses de Ilhéus, eu grito”.

Hoje, Nazal garante que grita. Mais que isso. Rompeu publicamente com o prefeito Marão, reorganiza seu partido, a REDE, e assegura estar preparando uma candidatura a prefeito para mudar a forma de fazer política em Ilhéus. Nesta entrevista concedida ao editor do JBO, jornalista Maurício Maron, Nazal não dá voltas para falar o que pensa sobre o seu companheiro de chapa, do sonho em ser pela primeira protagonista dos destinos de Ilhéus, sendo prefeito a partir de 2021, e antecipa uma possível ida de Mário Alexandre para o partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL, depois de ter, até aqui, as mãos estendidas pelo maior adversário do presidente no nordeste: o governador Rui Costa. "Foi ele mesmo quem me disse", informou.

Nazal não poupa críticas à forma de o atual prefeito fazer política. E fala do futuro político de Marão, sob a sua ótica. Sobre si, José Nazal destaca um sonho antigo de governar a sua cidade, repetindo um feito do seu avô Raymundo do Amaral Pacheco, que ocupou a cadeira no século passado, por um curto período, entre os anos 1937 e 1938.

Veja a seguir.

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O que te leva neste momento a querer ser prefeito de Ilhéus?

Não é bem “me leva neste momento” não. Esse pensamento de ser prefeito é muito mais antigo. Trabalho na vida pública há mais de quatro décadas, servi a diversos prefeitos, vários cargos, especialmente no gabinete, e me fez ter uma visão macro da cidade. A partir de 2006, com o desconforto que a gente estava passando no governo Valderico, que não foi um bom governo com todo respeito que tenho à pessoa dele - estou falando política e administrativamente -, me dispus a me candidatar. Tinha um almoço semanal da Turma do Vesúvio, um grupo que se reunia para ouvir a opinião de outras pessoas e alí, uma certa vez, tornei pública a intenção de me candidatar. E disse à época: ainda que seja para cumprir um papel de coadjuvante.

Mas aí você continuou coadjuvante...

... no dia 21 de setembro de 2007 fui chamado pelo então prefeito Newton Lima para ocupar um cargo no gabinete. Àquela oportunidade o governo conseguia dar conta de demandas imediatas, foi feita uma promoção de abertura do espaço público do governo para a sociedade e veio a renovação do mandato de Newton com índices que mostravam que ele era o candidato que a população queria. Aí eu recuei. Não ia me colocar como candidato, inclusive estando ao lado de uma pessoa que estava “bem na fita”.

"Há muito desinteresse por Ilhéus na atual gestão. A tônica está sendo reeleger o prefeito quando, na verdade, deveria ser “a cidade está bem” de fato, sem fingir."

Como foi construir a pré-candidatura para 2016?

A dificuldade do partido foi grande. Mas na discussão política não foi possível ser candidato a prefeito e fui vice eleito. Fomos vitoriosos.  

E você continua sonhando.

Persiste a minha intenção face ao governo que está aí. Tem feito algumas coisas, sim. Mas está deixando a desejar ainda. Poderia ser bem melhor. Porque se fôssemos aplicar o que discutimos na rua, na campanha de 2016... não vou dizer nem que prometemos. Não fizemos promessas. Mas a intenção era fazer o governo de forma mais participativa, mais democrática, mais transparente. Com um olhar mais crítico para as coisas que realmente necessitam ser feitas. Mas, infelizmente, mudou. O prefeito deu uma entrevista recente no rádio e disse que eu tinha alguns defeitos, que ele já tinha detectado eles na campanha, e que, agora, afloraram. O que posso dizer é que, graças a Deus, tenho mesmo defeitos. Até hoje só teve Um que não teve defeito. Eu tenho. E reconheço meus defeitos.

"Eu acho desconfortável pro prefeito ele estar na base do governador e ele me disse pessoalmente que vai para o PSL."

No decorrer deste mandato quais os equívocos que você tem observado e que resultaram no seu rompimento político com Mário Alexandre?

Tem uma coisa que é grave para todos os municípios do Brasil, pro Estado e para a população: o instituto da reeleição. Eu sou contra a reeleição.

Por quê?

Por que quando você entra candidato à reeleição você deixa de fazer aquilo que precisa ser feito. Foge da real necessidade de tomar decisões políticas de promover ações que às vezes incomodam poucos, mas que são benéficas para a população. Por exemplo: a gente está vendo o grave problema que envolve o transporte coletivo...  o governo não fala nada!!! Não se manifesta. Não está bem o transporte coletivo!!! E a situação dos clandestinos ocorre justamente por que há deficiência do serviço público oferecido. Mas o governo não encara isso. A gente não tem uma revisão e implantação de uma legislação própria no que tange esta questão. A gente não tem e o governo não se movimenta para fazer.

"Mário me perguntou: o que é que você quer. Eu disse: nada. Quero o acordo por Ilhéus. Se sair da linha, do interesse de Ilhéus, eu grito."

Numa situação de reeleição, o prefeito eleito já entra candidato pensando quatro anos à frente?

Posso estar exagerando, mas é o que penso. No dia que promulga o resultado da eleição e no dia que toma posse, o prefeito já está com a reeleição na cabeça pronta. É o que eu penso. Estou falando de todos os prefeitos. Eles precisam entender uma coisa: prefeito não é dono da cidade, não é o sol e a cidade girando em torno dele. Prefeito é mais um e está ali para servir. Então o que ele tem que fazer, tem que fazer esquecendo de si.

Agora seu olhar especificamente sobre Ilhéus.

A gente vê, na prática, infelizmente, que parte da mídia está na mão do governo.  Sem isenção para fazer críticas quando elas devem ser feitas e fazer elogios quando for para elogiar. Nas redes sociais a gente está vendo aí pessoas que eu sei... olha, o gabinete do prefeito virou um ponto de pessoas que fazem o papel de Ghost Writer (tradução: escritor fantasma) do governo nas redes sociais. Você fala que o prefeito é feio aí no outro dia 200 pessoas batem em cima de você, que você é mais feio ainda. O prefeito precisa sair desse egocentrismo de ser o centro as atenções. O prefeito, repito, é mais um!

"É um desafio muito grande. Meu partido é pequeno, minha estrutura não é grande, não tenho recurso e não vou fazer compromisso pra ficar preso, amarrado, só pra ganhar e depois vender a alma."

Isso é grave. É uma denúncia grave.

A gente está tendo agora no gabinete uma central de assédio. É outra denúncia forte que estou fazendo. Eu estou lá todo dia, trabalho todo dia! Todos os comissionados estão sendo obrigados a ser filiados ao partido que o prefeito indicar. É errado isso. É sério! Os estagiários estão sendo obrigados a ter Facebook, Instragram, curtir (as notícias da administração). Tá errado! Eu não posso aceitar uma coisa dessa passivamente.

Essa questão delicada do afastamento de servidores do período de 83/88. Você não só se posicionou contrário como também promoveu uma ação para reintegrar todos numa viagem do prefeito, mesmo o cargo não tenho sido transferido para o vice. Foi um jogo midiático?

Não foi midiático. Mas, infelizmente, se torna midiático, já que os veículos de comunicação passam a te procurar. Desde o princípio tomei uma posição. Não pelo fato dos servidores serem amigos. É uma questão de bom senso no meu entendimento. Por que esta questão de valor de folha, com seriedade e rigor, é possível. Eu sempre fui a favor de que houvesse um maior exercício possível de recursar, desde quando saiu a sentença inicial. Eu dizia: recorre à ONU ao Papa, numa analogia de que deveria ir as últimas instâncias. O prefeito atendeu a sentença judicial e justificou de que tinha que cumprir uma determinação judicial. Ai vieram determinações em instâncias superiores e ele não cumpriu. Quando ele viajou para o exterior e não me passou o cargo, com informações de juristas que considero sérios e competentes, tomei atitudes que achei que deveria ter tomado (cancelou o ato de demissões mas o prefeito, na volta ao cargo, não acatou). Agora, amparados por uma decisão do presidente do STF, que não me compete questionar, eles agora estão confortavelmente rolando para a frente. Eu acho que foi um ato de desumanidade.

"Me recordo na eleição de 2012, que eu não era candidato, eu perguntei a todos os candidatos quantos distritos tinha o município de Ilhéus. Sabe quantos me responderam corretamente? Nenhum."

Como é sua relação com Mário e o grupo dele no dia-a-dia.

Tive educação doméstica e uma formação escolar boa. Tenho pessoas que me servem de exemplos ao longo da minha vida. O amadurecimento traz a segurança do que você quer. Eu tenho uma relação normal com as pessoas. Às vezes, eu e Mário, a gente se encontra e fala. Não sou inimigo de Mário. Gosto de Mário. Não é pessoal. Eu me afastei de Jabes politicamente e tenho amizade pessoal a Jabes. Quero que ele seja feliz. É diferente de você ser inimigo e desejar que o outro vá à lona. Confesso que de maio para cá entrei no gabinete do prefeito apenas duas vezes. Eu preparo material para encaminhar para Salvador e mando para ele assinar. A última vez, ele mandou dizer que só assinaria se eu fosse levar pessoalmente (risos). Não foi de forma jocosa. Foi brincalhão. Fui e ele assinou. Nesse ponto ele tem me dado absoluta liberdade para trabalhar. E eu tenho feito. A relação pessoal não é uma coisa problemática. Se falam de mim ou me malham nas redes sociais, não ligo. Te falo com segurança: durmo em paz todas as noites. Durmo e acordo em paz todos os dias.

Sendo prefeito hoje que rumos você mudaria na gestão?

Primeiro, a forma como decide as coisas. Fiz críticas a todos os governos que participei de governar apenas com um ou dois. Se governa de forma plural.  Têm decisões que algumas secretarias tomam que outras nem sabem. Tenho feito críticas ao governo por que acho que faltam autocritica e humildade ao governo. Falta parar, ouvir e buscar soluções. Faço críticas, por exemplo, à estrutura da secretaria de Educação. Não são aos secretários. Errada. Sobretudo à rede montada. Principalmente a rural. Está montada de forma errada. Se você faz uma crítica vem logo a volta: “não, não está errada e tal”.

"Às vezes, eu e Mário, a gente se encontra e fala. Não sou inimigo de Mário. Gosto de Mário. Não é pessoal. Eu me afastei de Jabes politicamente e tenho amizade pessoal a Jabes. Quero que ele seja feliz. É diferente de você ser inimigo e desejar que o outro vá à lona."

Errada de que forma?

A maneira como é feita a nucleação, por exemplo. Ela está errada. Até do ponto de vista de você saber quem você atende. Você tem em Castelo Novo uma escola de Uruçuca dentro da sede. Tem escolas em fazendas de Itajuípe instaladas em Ilhéus. A prefeitura de Uruçuca construiu em 2017 uma escola em Banco Central, em Lajedão. Você vai ao prefeito de Uruçuca, fala com ele e ele diz: vocês não tomam conta, eu vou tomar. E eu não tenho o que rebater.

Dê um outro exemplo de equívoco .

O CRAS do Malhado, na zona norte, que está parada a construção há mais de um ano, ele vai atender ao Malhado, Barra, Iguape, Esperança, Aritaguá, Castelo Novo, Banco do Pedro, Pimenteira, Inema e Banco Central. Isso é fingir que faz assistência social. É humanamente impossível uma ou duas equipes dar conta de espaços geográficos na circunscrição do CRAS.

"O prefeito precisa sair desse egocentrismo, de ser o centro das atenções. O prefeito, repito, é mais um!"

Seu conhecimento da história e da geografia da cidade podem te ajudar no processo eleitoral do ano que vem?

Não conheço tanto. Eu estudo muito. Mas me recordo na eleição de 2012, que eu não era candidato, eu perguntei a todos os candidatos quantos distritos tinha o município de Ilhéus. Sabe quantos me responderam corretamente? Nenhum.

O governador Rui Costa é visto, de forma geral, como o governador que mais ajudou a cidade nas últimas décadas...

... e é verdade. Há muitos anos Ilhéus não tem um governador que olhe tanto para a cidade. É gostar? Querer? Não, é oportunidade. Ilhéus foi escolhida para ter a implantação de modais como porto, aeroporto e ferrovia. Por conta disso algumas demandas futuras vão acontecer e o governo ter feito ações que nos ajudaram muito...

"A gente está vendo o grave problema que envolve o transporte coletivo...  o governo não fala nada!!! Não se manifesta. Não está bem o transporte coletivo!!!"

A cidade tem críticas quanto à demora da conclusão da ponte. Geralmente falam o tempo de atraso. Você faz a contagem regressiva em suas postagens. `Faltam tantos cabos para concluir e tal´. Acho curioso isso...

... a ponte passa a ser um equipamento da BA 001, é um equipamento rodoviário intermunicipal. Integra a BA 001. Estamos falando de uma obra que foi pensada em 1969, três anos após a construção da ponte Lomanto Júnior. O Plano Municipal de Integração de Ilhéus, o plano diretor da cidade, já previa esta obra. Estou otimista. Existiram vários problemas que resultaram no atraso, problemas que acontecem. Se correr no ritmo que está a gente entra este natal vendo a ponte ligada. Pode até passar andando na ponte, de carro ainda não. Até lá os acessos asfaltados também estarão prontos. Vai faltar acabamento, sinalização, iluminação...

E as pedras usadas na construção e que foram prometidas para seguir para a zona norte e recompor áreas destruídas pelo mar?

Irão sim. Serão retiradas este mês ainda pelo lado sul. Falta pouco. São ainda 11 vãos e 66 metros para cada lado.

"Não fizemos promessas. Mas a intenção era fazer o governo de forma mais participativa, mais democrática, mais transparente. Com um olhar mais crítico para as coisas que realmente necessitam ser feitas. Mas, infelizmente, mudou."

Como você pretende construir a candidatura de 2020?

É um desafio muito grande. Meu partido é pequeno, minha estrutura não é grande, não tenho recurso e não vou fazer compromisso pra ficar preso, amarrado, só pra ganhar e depois vender a alma. Não estou mordido por uma mosca-azul. Quero participar do processo de debate, oferecer a Ilhéus a oportunidade de discutir os problemas que temos e, juntos, buscar soluções. Temos que encarar muitas coisas. O interesse coletivo tem que estar acima até dos meus próprios interesses.

Tenho ouvido algumas entrevistas, pessoas, políticos, se oferecendo claramente para estar, na próxima, no lugar onde você está e não parece estar satisfeito e quer sair...

... nunca pedi para ser vice de Marão. Sentamos duas vezes para conversar e tinham quatro pessoas na mesa. Mário me perguntou: o que é que você quer. Eu disse: nada. Quero o acordo por ilhéus. Se sair da linha, do interesse de ilhéus, eu grito. Disse isso no dia 30 de julho. Dia 31, fomos conversar novamente e ele virou pra mim e disse: "Naza, eu dormi esta noite. Tinha 15 dias que eu não dormia". Perguntei porque. "Por que todo mundo que vem negociar comigo quer 50 por cento dos cargos. Você não está pedindo nada?" Ai quando ganhamos, ele me perguntou: "o que você quer agora?" Respondi: quero ser secretário. Levei três pessoas comigo. Que saíram comigo da pasta.

E a relação do governo com a Câmara?

Seria diferente comigo. A relação tinha que ser institucional. Natural que você tenha composição política, que vereador faça indicação. É perfeitamente entendido. Agora, indicação por competência. E com todo respeito pelos vereadores, que me tratam com respeito e não quero generalizar, mas têm indicações de pessoas que não têm competência nenhuma para estar no cargo. Isso quem perde? O prefeito não quer ter oposição! E quem não quer ter oposição não quer ter autocrítica.

Como você enxerga o comportamento político ainda não revelado de Mário na reeleição. Um olhar de quem será adversário, obviamente.

Eu acho desconfortável pro prefeito ele estar na base do governador e ele me disse pessoalmente que vai para o PSL (partido do presidente Bolsonaro, adversário de Rui no nordeste). E eu estou te dizendo por que ele me disse diante de outras pessoas. Se tivesse me dito sozinho eu não teria dito aqui agora. Ele vai pro PSL. Não sei se nesta eleição ou se depois, com intenção de ser candidato a deputado, por que ele me disse que vai ser candidato a deputado federal. É um desconforto.

Hoje seu sentimento é de gritar, conforme prometido a Mário na composição da chapa que hoje governa a cidade?

De gritar, por que só posso gritar. E não é para neste momento me desvincular de Mário. Mas há muito desinteresse por Ilhéus na gestão do governo. A tônica está sendo reeleger o prefeito, quando na verdade deveria ser “a cidade está bem” de fato, sem fingir.